Técnicas Corpóreas parte 02
Segue abaixo a segunda parte do texto que ontem postamos, Técnicas Corpóreas.A última postamos amanhã.
Técnicas Corpóreas
à procura do outro que somos nós-mesmos, ou “à la recherche de nous-mêmes ailleurs”
Márcia Strazzacappa
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O artista cênico à procura de uma técnica
Definimos o artista cênico como sendo aquele cuja obra não é um objeto exterior a ele, mas está nele próprio. Em outras palavras é aquele que traz em seu próprio corpo o resultado de sua arte. A arte cênica, como sabemos, é uma arte efêmera. Sua efemeridade é caraterizada pelo fato do espetáculo - dentro da significação acima exposta - acontecer no momento da apresentação e desaparecer no instante seguinte. A percepção de que o corpo do artista cênico é ao mesmo tempo o agente e o produto de sua obra de arte conduziu à conscientização de que o desenvolvimento de um trabalho corporal interfere no resultado final da obra cênica, mesmo apoiando-se em outros recursos (instrumentos musicais, objetos cênicos, multimídia, etc.). Enquanto agente o corpo é técnica; enquanto produto, ele é arte.
Porém, se cada corpo é único, isto é, portador de características próprias e exclusivas, (história genética, evolutiva, cultural) e se cada técnica serve para um determinado fim (a técnica clássica para a dança clássica; a capoeira para a capoeira; o Odissi para o Odissi; o Kathakali para o Kathakali e assim por diante) qual será a técnica aplicável a essa pluralidade de corpos e que corresponda, ao mesmo tempo, às necessidades das artes cênicas?
No mestrado que foi desenvolvido junto ao Departamento de Metodologia do Ensino da Faculdade de Educação da UNICAMP, fizemos um levantamento das técnicas comumente oferecidas nos cursos de formação para atores e bailarinos. A partir desta constatação foi feito um segundo levantamento referente às facilidades e dificuldades mais freqüentes dos artistas em formação frente ao aprendizado corporal através da análise de cinco ateliers oferecidos por diretores estrangeiros durante os FIT [1] e em cursos extra-curriculares oferecidos no Departamento de Artes Cênicas da Unicamp no período de 91 a 93. A dissertação intitulada “O corpo em-cena” culminou no desenvolvimento e análise da aplicação de uma proposta de trabalho corporal para artistas cênicos.
No primeiro levantamento realizado, constatou-se que em sua grande maioria as técnicas abordadas eram técnicas estrangeiras. Em se tratando de um país tão rico em manifestações corporais, poder-se-ia pensar que a utilização destas fosse uma constante. A princípio considerou-se que a ausência de sua aplicação dava-se ao fato das manifestações corporais brasileiras estarem ainda em fase de estudo e sistematização. Excetuando a capoeira - considerada como uma ‘arte marcial brasileira’ que apresenta uma linguagem amplamente codificada e uma metodologia de aprendizagem própria - as demais técnicas corporais se apresentam ainda como objetos de estudos isolados. Quando ampliamos nosso campo de visão, observamos companhias cênicas e cursos de formação de atores e bailarinos de outros países com o mesmo tipo de atitude de ‘emprestar técnicas estrangeiras para a formação de seus artistas’. Seria esta atitude uma característica do comportamento humano? Da mesma forma que se presencia no Brasil atores aprendendo técnicas corporais orientais para representarem personagens de Nelson Rodrigues, por exemplo, depara-se com atores chineses estudando a lambada ou a capoeira. Mas, o que leva um artista brasileiro a estudar técnicas orientais? Qual a razão para um acrobata chinês estudar a lambada? A dança clássica? A capoeira? Qual a coerência destas posturas? O que há de comum nestes comportamentos? Assim, poderíamos resumir todas estas questões numa única interrogação, que será a questão mestra - nossa ‘maçã de Newton’ - do aprofundamento que ora propomos: Por que os artistas cênicos em geral buscam o aprendizado de técnicas corporais estrangeiras para o aprimoramento de sua arte?
[1] FIT - Festival Internacional de Teatro de Campinas, promovido pela Unicamp e Secretaria Municipal de Cultura de Campinas (1989, 1990, 1991 e 1992).
CONTINUA...
Fotografia do espetáculo O Capote, de conclusão do nível avançado da escola de teatro do Neelic, que teve por base de criação elementos da Antropologia Teatral. Fotógrafo: Kiran Federico León.