quinta-feira, 28 de abril de 2011

Discutindo a Ética no Teatro

Gente, desde que iniciei meus estudos no Mestrado em Artes Cênicas da UFRGS, venho pesquisando, juntamente com o pessoal do Neelic, o tema da ética no teatro.
Uma de minhas ações, inclusive, foi a criação de um site, que está ainda em fase de construção, mas já tem nesse momento uma certa estrutura e alguns materiais.
Bem, na página inicial do site há uma seção que chama-se "fragmento do mês", na qual eu vou colocar, uma vez por mês, algum texto breve que, durante a pesquisa, tenha me chamado à atenção.
Ontem fui trocar o texto que estava lá até então, e daí pensei: o que fazer com este texto lindo, para deixá-lo de alguma forma armazenado e acessível aos nossos leitores virtuais? 
Assim, lembrei-me aqui do blog, e decidi transformá-lo em postagem. De agora em diante, então, uma vez por mês, teremos a troca do texto por lá, que garantirá uma postagem por aqui.

Quem quiser conhecer este site que venho desenvolvendo, o endereço é: www.discutindoaeticanoteatro.webnode.com. Quem quiser mandar materiais que possam colaborar, pode ficar à vontade. O e-mail para isso é eticaneelic@gmail.com.


Este mês, ficamos então com fragmentos do livro "Como viver junto", de Roland Barthes:

“Desejamos, este ano, explorar um imaginário particular: não todas as formas do “viver junto” (sociedades, falanstérios, famílias, casais), mas principalmente o “viver junto” de grupos muito restritos, nos quais a coabitação não exclui a liberdade individual.”
“O método adotado foi, ao mesmo tempo, seletivo e digressivo. De acordo com os princípios do trabalho semiológico, buscamos destacar, na massa de modos, hábitos, temas e valores do “viver junto”, traços pertinentes e por isso mesmo descontínuos, dos quais cada um pudesse ser subsumido por uma palavra de referência.”
“Escrever é precisamente essa contradição que faz do malogro de uma comunicação uma comunicação segunda, fala para outrem mas fala sem o outro”.
“Minha fantasia: a idiorritmia  (...)
                Uma fantasia (ou pelo menos algo que chamo assim: uma volta de desejos, de imagens, que rondam, que se buscam em nós, por vezes durante uma vida toda, e frequentemente só se cristalizam através de uma palavra. A palavra, significante maior, induz da fantasia à sua exploração. Sua exploração por diferentes bocados de saber = a pesquisa. A fantasia se explora, assim, como uma mina a céu aberto.
                 Para mim, a fantasia que se buscava [não estava] de modo algum ligada ao assunto dos dois últimos anos (...) . Não era a exploração de uma fantasia (≠ o Viver-Junto). Aqui, não é o Viver-a-dois, o Discurso simili-conjugal sucedendo – por milagre – ao Discurso amoroso (...). [É] uma fantasia de vida, de regime, de gênero de vida, díaita, dieta. Nem dual, nem plural (coletivo). Algo como uma solidão interrompida de modo regrado: o paradoxo, a contradição, a aporia de uma partilha das distâncias – a utopia de um socialismo das distâncias  (…).
                 Ora, essa fantasia (…) encontrou a palavra que a fez trabalhar. (…) aglomerados idiorritmicos. Cada sujeito tem aí seu ritmo próprio (...).
                (…) “Idiorritmia”, “idiorrítmico”: foi a palavra que transmutou a fantasia em campo de saber. (...)
                Essa lembrança etimológica nos importa:
                1) Idiorrítmo, quase um pleonasmo, pois o rhythmós é, por definição, individual: interstícios, fugitividade (...) do código, do modo como o sujeito se insere no código social (ou natural).
                2) Remete às formas sutis do gênero de vida: os humores, as configurações não estáveis, as passagens depressivas ou exaltadas; em suma, o exato contrário de uma cadência cortante, implacável de regularidade. É porque o ritmo tomou um sentido repressivo (veja-se o ritmo de vida de um cenobita ou de um falansteriano, que deve agir de maneira regulada de perto pelo relógio) que foi preciso acrescentar ídios (...):
                               ídios ≠ ritmo,
                               ídios = rhythmós
                               (...)
                               "Ídios se opõe a ritmo, mas é o mesmo que rhythmós, de certa maneira."

                Para terminar esta primeira apresentação da idiorritmia, vou apresentar um traço que me parece caracterizar o problema de modo tópico. De minha janela (1º de dezembro de 1976), vejo uma mãe segurando o filho pequeno pela mão e empurrando o carrinho vazio à sua frente. Ela ia imperturbavelmente em seu passo, o garoto era puxado, sacudido, obrigado a correr o tempo todo, como um animal ou uma vítima sadiana chicoteada. Ela vai em seu ritmo, sem saber que o ritmo do garoto é outro. E no entanto, é a sua mãe! (...)                 

“[Precisão de Barthes no oral: "É pondo juntos dois ritmos diferentes que se criam profundos distúrbios"]” (...)”